sábado, 30 de agosto de 2008

Olá Alface!

Era assim que o Alface escrevia em 2002 para o livro chamado Setembro que a Fonte de Letras publicou a propósito do seu 2º aniversário, e que incluía textos e ilustrações de vários convidados:

Folhas caídas, raízes ao alto
Em Setembro, era a Feira de Setembro: um ano à espera das lindas meninas de Lisboa ou Évora ou Beja e dos seus perfumes inéditos na vila, e dos vestidos esplendorosos delas, e dos seus cabelos enfeitiçantes (aqui vai um adjectivo que em meados de 60 principiaria – coitado – a sua queda inexorável), madeixas a que uma boa esguichadela de laca conferia estatuto de armadura virginal. Havia, quando havia, baile no Club (toca o Pinto ou não toca o Pinto) e as meninas de Lisboa esbanjavam sotaques cosmopolitas e não traziam mães na bagagem. Alguns de nós, da fogosa mocidade montemorense, ainda usávamos calções apesar das juvenis pernas peludas, e quero querer que tal incongruência haja calado fundo na alma dançante das desejáveis meninas de Lisboa a quem as amigas da terra concediam ciumenta liberdade vigiada.
Havia touradas na Feira de Setembro, à época um prazer unânime, e os corações da nossas raparigas enlanguesciam com o aparato equestre do Mestre Baptista, com o garbo desafiador dos forcados locais (eh toiro lindo) e quero imaginá-la à noite sonhando eroticamente com touros desembolados e demais bravuras da idade.
Na Feira, motor popular, procurávamos os carrinhos de choque e mui solicitados eram então os muitos filhos do presidente Vacas, que recebiam dos feirantes bilhetes à borla e que nesses dias se faziam rogados. Teremos ido ao circo Mariano, casa de milagres que remetia para Fátima, e ríamos com um palhaço inevitavelmente imitando o Cantinflas, e chegámos a ver o celebrado ilusionista conde Aguilar, e muito burro velho vimos aguardando as dentuças amarguradas de tigres sonolentos e panteras insones. E depois espiávamos as acrobatas do arame dado constar poderem elas ser mulheres de cativar fácil ainda que tal tentação se situasse fora das nossas esqueléticas semanas. Obliquávamos, por isso, na direcção mais módica das expostas tendeiras do tiro ao alvo e da seta no ás de paus. Alguns de nós, felizardos, teremos conhecido aquela pobre carne comercial (vai um tirinho?). Mas já passou. Anos houve, raros e cheios, com gincanas de carros em piruetas de pó no campo da bola (o Lampreia era herói), e concursos de hípicos obstáculos onde bairristicamente torcíamos pelos irmãos Malta da Costa (Emílio, Filipe e Manel?) a quem copiávamos cavalgando em casa cabos de vassoura e criadas mais robustas.
E anos houve, raros, com quermesse no jardim público e barraquinhas de pré-tias generosas, e apostaria que uma noite descortinei por lá o brilhante empastado cabelo de Carlos Ramos e sua voz rouca amestrada.
Era Setembro. Lembro: amoras, uvas, figos e gamboas roubadas à ida e vinda da Pintada ou do Pego do Poço; Lerpa noctívaga na Pedrista, king vespertino na frescura no Rádio Cine, incansáveis desafios no Rossio (muda aos 6, acaba aos 12), hóquei patinado à sombra de Adrião e Livramento no rudimentar ring lá de casa, sprints ciqulísticos à pala do Corvo, do Peixoto e do Perna Coelho, épicos cinco niques e saltos kamikaze na inteira-caganeira, fisgas de precisão futurista nas muralhas do castelo.
E, aos domingos, jogos do ‘nião (U-ni-ão-U-ni-ão) com o Rubira feito seta apontada à baliza adversa e o espanholito Vinueza, esse florentino do castigo máximo. Ou o Pascoal, o Quim, o Gatinho, o Frazão, que nos cumprimentavam na rua a caminho de uns torresmos e passarinhos fritos no Daniel Voltinhas.
Com Setembro, terceiro dos 3 enormes meses das férias grandes, vinha em cúpula essa felicidade redonda de ler Eça ou Aquilino ou Camilo ou cabazadas de FBIs no quarto semi-obcurecido pelas semi-serradas madeiras das janelas. E o gozo de engolir o Fúria e o Bonanza (ave, Joe Pequeno) no preto e branco dos catatónicos televisores das sociedades recreativas. E a maravilha de mergulhar nas esplanada do Monte Alentejano e ver o nocturno écran e o céu estrelado encherem-se das lágrimas de Miguel Strogoff, da guedelha aparada de Sansão, do tiroteio planetário de Yul Bryner, na gritaria pirómana de Tarzan, da coragem fundadora de Kirk Douglas (I’m Spartacus). E no céu planarem as mamas estrondosas de Sofia Lauren, os gorjeios salpicantes de Marisol, os langores desgraçados de Sissi, os desatinos canoros de Joselito.
Em fundo, ao fundo, alguém trabalha a terra, alguém governa o sangue da terra enquanto o meu pai passeia olhos de fim de tarde pelos amores-perfeitos do jardim e eu me divirto a dar banho ao cão e a minha mãe ciranda pela casa toda. Setembro está quase a acabar, Setembro vai recomeçar.

Alface

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Ainda os livros de bolso.


Há 4 ou 5 anos, a ideia pareceu divertida e com bastante propósito. E a Fonte de Letras avançou. A Praia da Comporta, a mais próximo de Montemor, foi a escolhida e todos os Domingos de Agosto, a partir das 9h da manhã, lá estava montada uma elegante banca com uma exemplar selecção de livros de bolso! Bronzeadores, revistas e livros de quadradinhos, não, não se vendia ali e os poucos veraneantes que se aproximavam, lamentavam. Para todos os outros que enchiam a praia de Domingo os livros e as livreiras eram claramente invisíveis. Não fosse a excelente menção de Francisco José Viegas num dos seus blogues (imagine-se que vai à praia no “domingão”!), a experiência teria sido a ver navios. Valeram ainda os banhos à hora do fechar da praia, o melhor de qualquer Verão.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

- "Mas o Gógol, só com as traduções de Nina e Filipe Guerra!"

- "E estas são, de Nina Guerra e Filipe Guerra, na Colecção BI, de bolso!"
- "Ah! Fantástico!"
Parece que é desta, os livros de bolso estão a pegar, é preciso é fazê-los com qualidade. A Colecção BI (Assírio & Alvim, Relógio d'Água e Cotovia) puxou pelo conceito e agora outras editoras aproveitam o fôlego - a Bertrand começou a sua colecção de bolso e a Leya apresenta em Setembro grandes novidades (leia-se Leya Bis).
Os clientes são realmente exigentes, seja com as traduções, a apresentação ou a própria estratégia.
São ideias de bolso que merecem boas ideias.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Festival Escrita na Paisagem amanhã em Montemor.

Cine-concerto anima noites de fim de Agosto!
O Festival Escrita na Paisagem (festival de performance e artes da terra) encerra a sua programação de Agosto com o espectáculo de Kubik sobre o filme A felicidade de Medvedkine.

Olhar satírico e risonho sobre a casa (temática central da edição deste ano do Festival), da autoria do exemplar, ainda que amplamente desconhecido, realizador russo Alexandre Medvedkine (1900-1989), A felicidade (1934) contando-nos a estória de uma família de camponeses da Rússia czarista tão pobre que até os ladrões lhes dão esmola. Em busca da felicidade, o camponês sai de casa e parece encontrá-la quando acha uma carteira cheia de dinheiro. Com o achado compra um cavalo e melhora substancialmente a colheita, mas depressa se vê roubado por todos os protagonistas da velha ordem social pré-revolucionária: padres e freiras, patrões, ladrões, polícias e militares, todos reclamam o seu quinhão. Só depois da revolução bolchevique (1917) e de alguns episódios épicos a felicidade chega, num percurso marcado por constantes gags e um regresso a casa redentor.

Kubik (Victor Afonso), jovem compositor português galardoado em 2005 com o Prémio Público e que conta já com vários discos editados e um vasto leque de concertos nacionais e internacionais, fala-nos assim da sua abordagem ao desafio que lhe foi lançado pelo Festival: «Pretendi que houvesse uma relação dinâmica entre a imagem e a música, recorrendo a múltiplas sonoridades, texturas, ambientes e estilos musicais (com programações electrónicas e instrumentos avulsos - concertina, guitarra eléctrica, harmónica, flautas, xilofone, percussão).»

Auditório do Parque Urbano, Montemor-o-Novo 26 de Agosto, 21h 30
(Texto retirado do Programa do Festival)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Happy Hour com livros.

Não será o Gin Tónico do Peter's, na Horta, com vista para o mar e baleias mas é um Gin Tónico na Fonte de Letras, entre livros e histórias que até podem ser de velhos marinheiros. Entre o meio-dia e as oito da tarde, será sempre uma felicidade sentado às mesas de xisto, em cadeiras de ferro que já pertenceram à praça de touros de Reguengos de Monsaraz. (fotografia retirada daqui http://olhares.aeiou.pt/gin_tonic/foto137537.html)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A vizinha Honorata vem todos os dias mas não sabe ler.

"Se soubese ler comprava um livro mas como não sei venho só tomar café..." A vizinha Honorata não teve tempo para aprender a ler, foi demasiado cedo trabalhar para o campo. Vem diariamente tomar café, espera que não haja muitas outras vizinhas por perto e entra sorrateiramente. Parece que falam dela por vir tomar café à livraria...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Mestre Salgueiro, o Top dos Tops na Fonte de Letras.


Ervas, Usos e Saberes - Plantas Medicinas no Alentejo e outros Produtos Naturais, José Salgueiro, Edições Colibri e Marca ADL, é desde sempre o livro mais vendido, mais pedido por telefone e email e mais enviado por correio, na Fonte de Letras.

Quando o livro saiu, em 2005, foi lançado na Fonte de Letras e entre histórias de ervas que "tanto ajudam na prisão de ventre como no contrário" e outras que "ajudam os homens quando vão ter com as senhoras", o espaço da livraria foi pequeno para o público completamente heterogéneo que não quis perder o Mestre Salgueiro.

Assim é conhecido o autor que nasceu no concelho de Montemor-o-Novo há 89 anos. Ainda orienta passeios abertos ao público organizados pela Marca (Associação de Desenvolvimento Local, co-editora do livro) que estão constantemente lotados e é também poeta popular, aliás praticamente só fala em verso!

Com a apoio da Colibri e da Marca e a imprescindível edição científica da Professora Auxiliar do Departamento de Biologia da Universidade de Évora, o Mestre Salgueiro tem a sua sabedoria à venda em todo o País e, apesar de dar muitas entrevistas para a rádio e televisão talvez nem tenha a real noção do que isso significa.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O tempo das férias.


É curioso ver como o público muda por aqui na época das férias. A livraria enche-se de gente com roupas leves e chinelos, a caminho dos seus destinos de oito dias à beira das piscinas. Chegam em famílias grandes, cada um escolhe um livro, demoram algum tempo a estar. Depois perguntam por um restaurante e seguem viagem. Outros, surpreendem-se com o que encontram e fazem montinhos por editoras, como a &etc ou a Martins Fontes – vê-se que há muito tempo que não têm tempo para procurar livros com tempo.
É assim o Alentejo, esse destino exótico com livraria ao fundo.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O primeiro livro a ir para o saco!


Um livro cheio de histórias sem palavras sempre a correr atrás de uma história com bolo! Pode ser este o primeiro a ir para o saco dos livros das férias.

Nota-se desde há alguns meses um novo fôlego na edição da Caminho na área infantil. Para se juntar à Kalandraka, à OQO, à Bruáa, à Gatafunho... Há histórias realmente fabulosas. Viva o livro infantil!



"Pequenos gestos diários podem contribuir para um Mundo mais saudável. Este saco foi pintado pelas crianças do Centro Lúdico de Santiago do Escoural no Alentejo." Custa 1,30€, valor entregue na totalidade à Instituição.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O livro mais bonito.




The end of the game, livro de 1965 do fotógrafo Peter Beard, numa reimpressão cuidadíssima da Taschen, com novo prefácio de Paul Theroux. Fotografia, ilustração, textos manuscritos de Karen Blixen, África selvagem, caçadores brancos, a última fotografia de Denys Finch-Hatton... Impressionante, quando uma caçada rendia 996 "Rhinos".

sábado, 9 de agosto de 2008

Tem sempre graça quando um autor compra os seus próprios livros.


José Cutileiro passa muitas vezes por Montemor entre as suas viagens
e já prendeu plateias em encontros organizados pela Fonte de Letras
com o seu dom para contar histórias. É sempre bom tê-lo de volta e agora com o toque de charme de uma bengala!




sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Metamorfoses de Ovídio


O rapaz da loja dos tecidos que também vende lençóis e batas e pronto-a-vestir levou Metamorfoses, de Ovídio (Edições Cotovia). Esta terra é de pasmar...


quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Brinde também, a Fonte de Letras já tem um Blog.


Com o calor que faz, será como um chá no deserto, aliás filme baseado no romance de Paul Bowles, O céu que nos protege (Assírio & Alvim), uma das melhores leituras para este Verão.