Numa terra pequena há “capelinhas” - os da rua de cima que não gostam dos do clube do amarelo inimigos dos do partido preto e os que sempre tiveram o sonho de ter uma livraria – só um equilibrista se aguenta sem mossas.
Numa terra pequena as pessoas acabam por ser sempre as mesmas e, se às vezes lhes apetece tagarelar e até fazer confidências, noutros dias é preciso adivinhar que é "dia não”. Um livreiro é um bartender.
Numa terra pequena se o livreiro vai ao ginásio ou à piscina pública tem que se despir e tomar duche ao lado dos seus clientes. No dia seguinte voltamos a dizer “bom dia” com cerimónia.
Numa terra pequena ter uma porta aberta e opinião cívica é estar sujeito a perder clientes, às vezes aqueles que compram mais.
Numa terra pequena um livreiro escolhe a escola dos filhos pelo professor que conhece os melhores livros infantis. Que sorte!
Numa terra pequena conhecem-se as pessoas pelos livros que lêem e sabe-se quem são as pessoas que não lêem.
Numa terra pequena os clientes batem-nos à porta de casa mesmo ao dia de folga, informados pelos vizinhos a quem nunca demos a nossa morada. E é preciso sorrir sempre.
Numa terra pequena o livreiro conhece o amor da sua vida discutindo livros e autores. É romance mas não é ficção.
Helena Girão Santos, 11 anos de livreiro em Montemor-o-Novo.
Fonte de Letras, desde 16.09.2011.