Hoje de manhã no Sinais de Fernando Alves, na TSF
A fórmula para não morrer
Criou jardins de fantasia na casa de Pennabili onde há uma rua de relógios de sol. Foi professor, começou a escrever no campo de concentração para onde o enviaram, escreveu alguns dos mais belos filmes do cinema europeu, Amarcord ou La Nave Va, de Fellini, Blow Up, de Antonioni, Nostalgia, de Tarkowsky. Nunca perdeu de vista o povoado onde nasceu, em Santarcángelo, e onde lhe tinham feito há dias, no largo de cheio de crianças cantando para ele, a festa dos 92 anos. Ontem, os responsáveis da livraria "Fonte das Letras", de Montemor-o-Novo, que tinham estado no blogue a festejar o dia da poesia, reabriram a janela deixando entrar "o sol de Tonino Guerra para sempre". Invocaram "um amor antigo, um amor solar" que talvez explique a convicção, igualmente expressa, de que , não por acaso, será a Fonte das Letras " a livraria do país que mais livros de Tonino Guerra vendeu".
Eu tinha lido nessa manhã, aqui na rádio, um poema dele, tirado do livro "Mel", o livro de um regresso a casa. Andava atordoado desde que lera a notícia na edição electrónica do ABC. Perdi-me na rede, como se me perdesse no campo, guiado por um texto dele, aquele em que vira costas a Roma: "Eu abandono Roma. Os camponeses abandonam a terra. As andorinhas abandonam a minha aldeia. Os fiéis abandonam as igrejas. Os montanheses abandonam os montes. Os moleiros abandonam os moinhos. A graça abandona os homens. Alguém abandona tudo". Como se, tendo-me perdido, fosse com a música de Amarcord bailando nos meus pensamentos, bater à porta da Fonte das Letras por um livro dele, eu que tantas vezes ofereci o Livro das Igrejas Abandonadas.
Mas já encontro a passagem de uma entrevista que ele dera, há tempos, a uma revista electrónica de poesia, "La Dama Duende". Nessa entrevista ele admite que com a passagem do tempo crescera nele o medo da morte. Percebendo que surpreendera o entrevistado, disse-lhe: "Vou contar-te um segredo. Encontrei a fórmula para não morrer".
E Tonino Guerra revela-lhe a fórmula: "A única maneira de vencer a morte é permanecer, durante muito tempo, na memória dos outros. Tudo o que escrevi e fiz não tinha outro objectivo".
Diz isto com a mesma serenidade desconcertante que o levou a morrer no dia mundial da poesia. Ou que o levou a fazer à Dama Duende esta outra revelação sábia: "Criar um relógio de sol, salvar uma casa da ruína, plantar uma figueira, são poemas em pé".
Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.
Criou jardins de fantasia na casa de Pennabili onde há uma rua de relógios de sol. Foi professor, começou a escrever no campo de concentração para onde o enviaram, escreveu alguns dos mais belos filmes do cinema europeu, Amarcord ou La Nave Va, de Fellini, Blow Up, de Antonioni, Nostalgia, de Tarkowsky. Nunca perdeu de vista o povoado onde nasceu, em Santarcángelo, e onde lhe tinham feito há dias, no largo de cheio de crianças cantando para ele, a festa dos 92 anos. Ontem, os responsáveis da livraria "Fonte das Letras", de Montemor-o-Novo, que tinham estado no blogue a festejar o dia da poesia, reabriram a janela deixando entrar "o sol de Tonino Guerra para sempre". Invocaram "um amor antigo, um amor solar" que talvez explique a convicção, igualmente expressa, de que , não por acaso, será a Fonte das Letras " a livraria do país que mais livros de Tonino Guerra vendeu".
Eu tinha lido nessa manhã, aqui na rádio, um poema dele, tirado do livro "Mel", o livro de um regresso a casa. Andava atordoado desde que lera a notícia na edição electrónica do ABC. Perdi-me na rede, como se me perdesse no campo, guiado por um texto dele, aquele em que vira costas a Roma: "Eu abandono Roma. Os camponeses abandonam a terra. As andorinhas abandonam a minha aldeia. Os fiéis abandonam as igrejas. Os montanheses abandonam os montes. Os moleiros abandonam os moinhos. A graça abandona os homens. Alguém abandona tudo". Como se, tendo-me perdido, fosse com a música de Amarcord bailando nos meus pensamentos, bater à porta da Fonte das Letras por um livro dele, eu que tantas vezes ofereci o Livro das Igrejas Abandonadas.
Mas já encontro a passagem de uma entrevista que ele dera, há tempos, a uma revista electrónica de poesia, "La Dama Duende". Nessa entrevista ele admite que com a passagem do tempo crescera nele o medo da morte. Percebendo que surpreendera o entrevistado, disse-lhe: "Vou contar-te um segredo. Encontrei a fórmula para não morrer".
E Tonino Guerra revela-lhe a fórmula: "A única maneira de vencer a morte é permanecer, durante muito tempo, na memória dos outros. Tudo o que escrevi e fiz não tinha outro objectivo".
Diz isto com a mesma serenidade desconcertante que o levou a morrer no dia mundial da poesia. Ou que o levou a fazer à Dama Duende esta outra revelação sábia: "Criar um relógio de sol, salvar uma casa da ruína, plantar uma figueira, são poemas em pé".
Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.