quinta-feira, 22 de março de 2012

Tonino



Hoje de manhã no Sinais de Fernando Alves, na TSF


A fórmula para não morrer
Criou jardins de fantasia na casa de Pennabili onde há uma rua de relógios de sol. Foi professor, começou a escrever no campo de concentração para onde o enviaram, escreveu alguns dos mais belos filmes do cinema europeu, Amarcord ou La Nave Va, de Fellini, Blow Up, de Antonioni, Nostalgia, de Tarkowsky. Nunca perdeu de vista o povoado onde nasceu, em Santarcángelo, e onde lhe tinham feito há dias, no largo de cheio de crianças cantando para ele, a festa dos 92 anos. Ontem, os responsáveis da livraria "Fonte das Letras", de Montemor-o-Novo, que tinham estado no blogue a festejar o dia da poesia, reabriram a janela deixando entrar "o sol de Tonino Guerra para sempre". Invocaram "um amor antigo, um amor solar" que talvez explique a convicção, igualmente expressa, de que , não por acaso, será a Fonte das Letras " a livraria do país que mais livros de Tonino Guerra vendeu".
Eu tinha lido nessa manhã, aqui na rádio, um poema dele, tirado do livro "Mel", o livro de um regresso a casa. Andava atordoado desde que lera a notícia na edição electrónica do ABC. Perdi-me na rede, como se me perdesse no campo, guiado por um texto dele, aquele em que vira costas a Roma: "Eu abandono Roma. Os camponeses abandonam a terra. As andorinhas abandonam a minha aldeia. Os fiéis abandonam as igrejas. Os montanheses abandonam os montes. Os moleiros abandonam os moinhos. A graça abandona os homens. Alguém abandona tudo". Como se, tendo-me perdido, fosse com a música de Amarcord bailando nos meus pensamentos, bater à porta da Fonte das Letras por um livro dele, eu que tantas vezes ofereci o Livro das Igrejas Abandonadas.
Mas já encontro a passagem de uma entrevista que ele dera, há tempos, a uma revista electrónica de poesia, "La Dama Duende". Nessa entrevista ele admite que com a passagem do tempo crescera nele o medo da morte. Percebendo que surpreendera o entrevistado, disse-lhe: "Vou contar-te um segredo. Encontrei a fórmula para não morrer".
E Tonino Guerra revela-lhe a fórmula: "A única maneira de vencer a morte é permanecer, durante muito tempo, na memória dos outros. Tudo o que escrevi e fiz não tinha outro objectivo".
Diz isto com a mesma serenidade desconcertante que o levou a morrer no dia mundial da poesia. Ou que o levou a fazer à Dama Duende esta outra revelação sábia: "Criar um relógio de sol, salvar uma casa da ruína, plantar uma figueira, são poemas em pé".
Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.